Dormindo bem
ou não, começo meu dia comendo um pãozinho no café da manha. Fresco ou não,
algo precisa preencher meu estomago que já passou seis, oito, dez horas de
vazio e de suposto repouso. E aí após comer, automaticamente me sinto saciada e
nem me lembro daquilo que antes significava uma necessidade clara e urgente.
Mas, assim que preencho uma necessidade me lembro que tenho outras, e outras e
outras e esse ciclo nunca se acaba. Me consolo por saber que estas faltas serão
assim sempre, até que eu mesma não tenha mais vida. Há necessidade de alimento
me parece urgente, no momento que ela aparece, e assim meu preenchimento
aparece rápido, porém momentâneo. E para
momentos em que a fome desaparece ou simplesmente comemos descontroladamente
por sentir em nosso íntimo que não é bem disso que estamos falando, mas de
coisas bem mais profundas. Ansiedades e desarranjos no coração que nos fazem a
aumentar ou diminuir nossas necessidades, que de básicas, viraram secundárias.
E em meio a
sortes e infortúnios deste ciclo humano, porem angustiante, refletimos sobre
nossa fome eterna. Fome de ser, e posteriormente de estar. A fome de fazer irá
aparecer, mas ela de nada servirá se ela não souber porque veio. Havia um
homem, que muitos desclassificam devido a carga histórica e moral colocada
sobre ele,(o que muitas vezes foram criadas por homens e seus espelhos), que um
dia expos uma questão muito mais existencial e simples do que parece.
Questionado por um povo faminto de si mesmo e de um salvador, não diferente de
hoje, insatisfeitos com um ciclo de necessidades e paliativos materiais, ele
propôs um alimento, um pão, uma comida que não se estraga e que mata fomes
antigas e necessárias a cada um de nós. Enquanto o perguntaram o que fazer para
receber este pão, ele troca o verbo e oferece no que crer. Até porque, fazer
sem crer de nada adianta, é como qualquer formigueiro que ali está por simples
condicionamento da espécie.
Mas crer é
muito mais difícil que fazer, é mais desafiador, é mais transcendental. Fazer é
mais prático, mais material, mais confiável. E o povo pede: qual atitude você
vai fazer para gente ver e crer no que falas? Queremos ver, gostamos de
visualizar. Repetimos e repetimos a vista para ver se assim acreditamos,
expomos a rigorosos testes mentais da
nossa própria vontade de ver as coisas.
Queremos muito um pão, um alimento que quando consumido saciará todas as
nossas dores, fomes, angustias e saciações, mas precisamos ver e analisar,
antes de comer qualquer coisa. Este homem respondeu: “EU SOU o pão da vida.
Quem VEM a mim nunca mais terá fome, e quem CRÊ em mim nunca mais terá sede”.
Chocados com
a declaração, o povo usou basicamente nossa primeira arma contra o
estranhamento das coisas que não se medem, não se classificam, não se veem: a
crítica. E usaram o fazer e o ter como ponto de partida para devolver ao homem,
aos olhos da sociedade, o insignificante valor de sua identidade social: “você
é filho de quem mesmo? José,João,Raimundo? Quem é você para nos falar de fé,
sobre preencher nossas essências? Quais conhecimentos você possui, e que
teorias você se baseia para falar sobre algo que nós não entendemos? E o homem
fala mais uma vez, e com muita propriedade, da necessidade que está por tras de
todas as outras.
A necessidade de pertencer, e ser amparado, de ser salvo, de
ser incluído por algo maior, algo que não seja palavras humanas à “homens
humanos”. E que como num ato de infindável fé, e que aparece o tempo todo em
nossas vidas, e não somete em datas comemorativas, o comer o pão e o beber o
vinho vai mais do que ritualizar, ou participar, ou sacrificar-ser, vai além da
nossa própria compreensão, mas que parte de pessoas que lidam com suas
dificuldades de crer, crendo. Exercitando que quem come terá vida. Assim como
na vida cotidiana material, há coisas que se não alimentadas geram morte. Há
coisas que não passam pelo estomago que causam muito mal se ingeridas demais ou
de menos. Há uma vida que somente aparece quando cremos, há um consolo que
brota quando acreditamos em frente ao inacreditável. E a necessidade de ser salvo dá lugar ao
incrível acolhimento necessário a todos nós, algo que podemos até tentar, mas
vai além de explicações, e nisso você é livre para crer ou não.
Sei que
parecem palavras contraditórias, mas o raciocínio é transparente. E digno de
questionamentos, porem para quem crê os ensinamentos valem mais a pena do que
andar sem rumo, perdidos em fomes que não passam,geram tristezas e até perda da
vontade de ver a vida como construção. Assim, não quero mais construir, porque
se tudo se limita a verdades cruas e nuas, e intenções embasadas, e gritos que
ninguém pode conter, melhor é ir, do que permanecer. O que me parece uma
interrupção injusta, um caminho fragmentado de coisas, que podem e sempre
poderão ter uma segunda chance. E ainda há alguns que crem que há um pão vivo,
que é uma pessoa e uma personalidade real e fluida, e não um amontoado de
regras e manipulações humanas. Crer é um discurso difícil para quem se
acostumou a tirar conclusões, para quem prefere a facilidade da religião, dizendo
o que fazer, aonde estar e o que ser. Discurso duro demais para quem quer ditar
as regras, e para quem ache tolice da antiguidade crer em remissão e divindade.
Crer é fala muito patética para quem domina conhecimento e estudos que não
provam existência da necessidade de transcender, teorias que preferem olhar o
aqui e agora.
Alguns foram
embora, abandonaram o diálogo. Eram coisas muito difíceis de aceitar. Talvez
mais alguns abandonem agora, quando eu disser quem propôs tais ideias. Talvez
achem que não podemos misturar conhecimento com fé, ou vida real com eterna, ou
crença com forma de ver o mundo. Jesus, que disse, e usou esta metáfora excelente
do pão que mata a fome da alma e do espirito, foi rejeitado e não agradou
muitas plateias. Mas manteve o que ele mesmo acreditava para ele, e depois para
os outros. Ele entendia quem não gostava desse discurso e preferia ir embora, e
ainda advertiu aos mais chegados, se também quiserem ir, podem ir, eu sei quem
são os meus de verdade. E um amigo, de fala forte perguntou: “Quem é que vamos
seguir? O senhor tem as palavras que dão VIDA eterna”.
E hoje, eu
mesma me pergunto: quem é que vou seguir e crer, se não for aquele que
apascenta meus medos e me salva de mim mesma e do mundo muitas vezes hostil que
se apresenta? Vou crer e seguir e comer o pão caseiro, feito especialmente na
casa do Pai, que sacia minha fome mais profunda, assim como a mais externa. E
crer nele, é meu direito, meu prazer, minha escolha, minha angustia, meu
consolo. Direito seu é pensar diferente, e matar sua fome de várias outras
formas, não te recrimino por isso, simplesmente gostaria muito que pudesse
experimentar esse encaixe que nunca consegui encontrar em outra coisa. Mas esta
é minha experiência, tenha a sua e me conte sobre sua própria fome e como ela
te consome e te se rebate dentro do peito. E assim exploraremos nossas faltas e
acharemos descanso por saber que para todas a uma resposta, a chama do
crer.
Priscila Souza 16/09/2013